Tragédia com a lama da Samarco completa meio ano, nesta quinta-feira (5).
G1 encaminhou relatório da Marinha para coordenador da ONG analisar.

Seis meses após o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, Minas Gerais, o Greenpeace se manifestou sobre um dos maiores desastres ambientais do Brasil por meio do coordenador de campanha da organização, Nilo D’Ávila. A pedido do G1, a ONG fez uma análise do laudo divulgado pela Marinha.

A ONG acredita que não há como mensurar os gastos sociais e ambientais para a recuperação de todas as partes afetadas e criticou o acordo firmado com a Samarco, cujos donos são a Vale e a BHP Billiton: “o governo assumiu que matar um rio no Brasil custa R$ 20 bilhões”, criticou Nilo.

O desastre ambiental na barragem da Samarco aconteceu no dia 5 de novembro de 2015, no distrito de Bento Rodrigues, em Mariana. Uma lama de rejeitos de minério vazou, arrasou vilas, matou pessoas e chegou até o Rio Doce, que percorre cidades mineiras e também capixabas. No Espírito Santo, as cidades afetadas foram Baixo Guandu, Colatina e Linhares, onde fica a foz do rio.

Representantes dos poderes públicos federal e dos estados de Minas Gerais e do Espírito Santo assinaram acordo no dia 2 de março com a mineradora, com o objetivo de criar um fundo de R$ 20 bilhões para recuperar a Bacia do Rio Doce em 15 anos.

Essa foi uma das críticas da ONG, que acredita que os gastos serão bem maiores e que o trabalho de recuperação levará mais tempo.

“O que nos preocupa é que o governo brasileiro, através do Ministério do Meio Ambiente, colocou um preço nisso, assumiu que matar um rio no Brasil custa R$ 20 bilhões, que é o preço do acordo firmado, sem ainda a gente conhecer o real tamanho e o tempo que vai ser necessário para recuperar o Rio Doce. E aí tem um outro parêntesis: recuperar o Rio Doce a que ponto? No ponto que ele estava antes do desastre? Pois ele já apresentava severos sinais de degradação”, afirmou Nilo.

Segundo o coordenador, o desastre ambiental ocasionado pelo rompimento da barragem representa 50% de todos os desastres envolvendo resíduos de mineração no mundo. “Não existem precedentes com esse tamanho de desastre. No Brasil já ocorreram desastres semelhantes, mas que atingiram no máximo 6km de rio. Agora estamos falando de um desastre que atingiu 500km”, disse.

Relatório da Marinha: os metais na água
No começo de abril, o G1 encaminhou o relatório da Marinha para o Greenpeace e D’Ávila  fez uma leitura dos resultados. Ele considerou preocupante a presença de manganês na água do Rio Doce.

“Os resultados são preocupantes, principalmente o impacto sobre os bentos (pequenos crustáceos, esponjas, poliquetas e moluscos, que estão recebendo mais sedimentos do que estavam acostumados, que podem levar a algum tipo de soterramento), porque além de condições físicas, as espécies também precisam de condições biológicas. Outro ponto é que, apesar de não terem sido encontrados cardumes mortos, a preocupação é como esses animais vão se estabelecer ao longo do tempo e como vai ser o comportamento desses depósitos de manganês na foz”.

O coordenador comentou a declaração da Samarco de que o manganês, da forma como foi encontrado, já existia no rio antes do desastre. Segundo ele, o relatório da Marinha aponta que o minério se depositou no rio após o rompimento da barragem.

“Se isso não tem a ver com a lama, como a Samarco diz, nós temos um problema muito maior. A mina que está lá em cima, os afluentes do Rio Doce, ou são da Samarco ou são da Vale. Se eles afirmam isso quer dizer que há muito tempo o manganês está sendo liberado no rio? Natural que não é, o manganês não existe naturalmente dessa forma em nenhum lugar do mundo. Tem que quebrar a rocha, dissolver, separar. Essa dúvida nem existe, na verdade. O manganês que está depositado lá veio do derramamento de lama do rompimento da barragem.”

O chumbo é um acumulador. Você pode estar consumindo chumbo durante anos, mas quando vem o efeito, é de uma vez só”
Nilo D’Ávila, coordenador de camapnha do Greenpeace

Ele também comentou a presença de chumbo e arsênio na água do rio e os riscos para a população. “O chumbo é um acumulador. Você pode estar consumindo chumbo durante anos, mas quando vem o efeito, é de uma vez só. Tem muita semelhança com o mercúrio, vai se acumulando de uma maneira silenciosa. Já o arsênio tem efeito mais imediato, é quase impossível uma pessoa consumir peixe contaminado com arsênio, pois ele vai estar em um estado tal que a pessoa não vai consumir”, explicou.

D’Ávila aproveitou para levantar a questão sobre outros poluidores de rios. “Acho que também necessita de investigação sobre outras fontes que podem estar poluindo o Rio Doce. Acho que o legado desse desastre para o Brasil é que chegou a hora de cuidar dos nossos rios, tomar medidas que possibilitem atividades econômicas e de preservação do meio ambiente e retomar o olhar para o licenciamento ambiental”, falou.

‘Fábrica de Marianas’
O representante do Greenpeace também criticou a fiscalização brasileira na prevenção de desastres ambientais e acredita que o que aconteceu em Mariana poderia ter sido evitado.

“O que tem que se tomar cuidado é para o Brasil não se tornar uma ‘Fábrica de Marianas’ por falta de fiscalização correta. O nosso legislativo está contaminado pelas corporações, só pensa no crescimento, seja a qualquer custo, sem se importar com ao meio ambiente e também com a vida das pessoas”, criticou.

Greenpeace: shows beneficentes, programas e pesquisa
O Greenpeace criou um programa que foi apoiado pelo coletivo Rio de Gente, no qual participam artistas que fizeram dois shows beneficentes, um em Minas Gerais e outro em São Paulo, em apoio a ações para compreender o que aconteceu em Mariana.

“Desse dinheiro arrecadado com os shows nós criamos um fundo, que em um primeiro momento apoiou seis pesquisas independentes. Na semana passada a gente divulgou os resultados e no mês que vem vamos iniciar os trabalhos de pesquisa. No final de seis meses a gente vai realizar um seminário envolvendo os afetados, os pesquisadores, para tirar algumas experiências que venham dessas pesquisas independentes”, informou.

O legado desse desastre para o Brasil é que chegou a hora de cuidar dos nossos rios”
Nilo D’Ávila, coordenador de camapnha do Greenpeace

Os projetos selecionados desenvolverão estudos em cinco diferentes áreas: fauna, flora, água, impactos sociais e direitos humanos. Ou seja, os resultados irão variar desde estudos com girinos como indicadores da qualidade da água, presença de metais pesados na água utilizada na produção de agricultores familiares até os direitos da população indígena Krenak – fortemente atingida com a perda do rio, fonte de seu sustento.

Samarco
A Samarco informou que já está realizando as ações previstas no acordo firmado março com os governos de Minas Gerais e Espírito Santo. Estão previstos cerca de 40 programas nas áreas social e ambiental.

“Cerca de 80% desde programa já está acontecendo. Já construímos três diques de proteção para melhorar a qualidade do rio, estamos cuidando das pessoas desabrigadas, que já estão em casas alugadas, e estamos estudando a reconstrução das vilas. Além disso, estamos fazendo os escoramento do rio em algumas áreas e fazendo ações de reflorestamento. Ao longo do rio, pesquisas constantes tem sido feitas com a água, tudo entregue às autoridades competentes”, explicou o gerente geral de estratégia e gestão e informação da Samarco, Alexandre Souto.

Uma fundação será criada para gerir os trabalhos, até o dia 2 de julho. Segundo Alexandre, até 2 de agosto ela já assume os compromissos firmados no acordo. “Até a criação da fundação, a Samarco conduz tudo de forma que os produtos não sejam interrompidos, depois disso a fundação assume. Dessa forma, a Samarco entra com o dinheiro, a fundação executa e o poder público fiscaliza”, esclareceu.

Somente em 2016, serão investido R$ 2 bilhões para os programas e mais R$ 50 milhões em recursos que a Samarco e acionistas vão prover ao poder público para tratar o esgoto ao longo das cidades por onde passam o Rio Doce e afluentes. O acordo ainda prevê o gasto de R$ 1,2 bilhões em 2017 e R$ 1,2 bilhões em 2018.

Sobre a retirada de depósitos de rejeitos de minério das cidades ao longo do Rio Doce, Alexandre explicou que estudos estão sendo realizados. “Em algumas cidades, principalmente em Minas, ocorreu a saída de material da calha do rio, então lá estamos com diversas obras. Quanto ao que está no rio, será feito um estudo para ter certeza de que será feito um manuseio correto da retirada desses depósitos. Ainda não é possível precisar quando isso vai começar e nem quanto tempo vai levar, os estudos estão em processo, sendo feitos por especialistas contratados pela mineradora”.

Já sobre o questionamento do Greenpeace sobre a presença de manganês antes do desastre ambiental, a Samarco respondeu, por nota, que “na Bacia do Rio Doce são realizadas diversas atividades econômicas além da mineração: agropecuária, agroindústria, indústria, geração de energia elétrica, além do lançamento de esgoto in natura. Cada atividade possui uma característica de operação e seu consequente impacto. Não há como atribuir ao rompimento da barragem ou às operações de mineração localizadas na bacia as alterações nos valores observados ao longo dos anos no Rio Doce e seus afluentes. É importante esclarecer que o rejeito da Samarco é composto basicamente por óxidos de silício (areia), de ferro e de alumínio.”