A desaceleração da inflação no último quadrimestre do ano passado fez com que o “índice de miséria” brasileiro interrompesse trajetória de alta que vinha desde o início de 2015 e começasse a mostrar ligeira tendência de desaceleração, mesmo com desemprego ainda muito alto, segundo indicador monitorado pelo Banco Fibra.

O índice combina a evolução dessas duas variáveis e procura reproduzir, de maneira simplificada, as oscilações da sensação de bem estar da população.

O indicador, que chegou a alcançar 20,65% em setembro do ano passado – o pior momento desde 2012, quando a série histórica do desemprego têm início – caiu para 19,3% em dezembro de 2016, na série com ajuste sazonal.

“Por enquanto, essa melhora está muito baseada na inflação”, comenta Cristiano Oliveira, economista-chefe do banco.

Desde setembro do ano passado o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) tem mostrado trajetória mais consistente de desaceleração, ao passar de 8,48% em setembro para 6,29% em dezembro, sempre considerando o acumulado em 12 meses.

O indicador foi criado pelo economista americano Arthur Okun no começo dos anos 70, com o nome de índice de desconforto, rebatizado posteriormente para índice de miséria pelo presidente americano Jimmy Carter.

Apesar da inflação em queda, o mercado de trabalho ainda tem segurado uma melhora mais consistente do índice de miséria. A taxa de desemprego subiu de 11,8% no trimestre encerrado em setembro para 12% no trimestre terminado em dezembro. Para Oliveira, o desemprego deve seguir em alta pelo menos até abril desse ano, quando pode superar 13%, ainda que mais pelo aumento da procura por emprego do que pela diminuição da população ocupada, diz.

Com a retomada da economia, porém, ele projeta gradual melhora do mercado de trabalho, ainda que esse movimento fique mais concentrado em 2018. Para o ano que vem, Oliveira projeta desocupação média de 10,6%.

Como a inflação deve encostar em 4,5% em algum momento da segunda metade desse ano e ficar perto desse nível ao longo do ano que vem, diz o economista, o índice de miséria deve apresentar recuo significativo ao longo dos próximos trimestres, especialmente em 2018. “A melhora da percepção da população sobre a economia vai ser grande, o que deve ser um ativo eleitoral”, diz.

Ele lembra que a queda da popularidade da presidente Dilma Rousseff aconteceu justamente em 2015, quando o índice de miséria aumentou 7 pontos, ao passar de 13,4% em dezembro de 2014 para 20,4% um ano depois. Em maio de 2016, mês em que a ex-presidente foi afastada, o índice estava em 20,1%, nível que se manteve até outubro do ano passado, quando o indicador começou a desacelerar. Ao longo de 2017, estima o Fibra, o índice de miséria deve cair mais 2 pontos e encerrar em 17,3%. Já às vésperas da eleição presidencial, em setembro de 2018, o indicador deve voltar a oscilar perto de 14%, retornando ao nível de 2014.

Braulio Borges, economista-chefe da LCA Consultores, conta com uma melhora da percepção sobre a economia ainda em 2017, principalmente por causa da desaceleração da inflação. “Tem uma sensação de melhora da economia que vai vir principalmente da redução da inflação e da distensão da política monetária”, diz ele.

O poder de compra dos salários, por exemplo, tende a aumentar enquanto o IPCA estiver em trajetória de desaceleração. Isso porque as negociações salariais no Brasil “olham muito para trás”, diz Borges, com acordos firmados com base na inflação acumulada em 12 meses. Com a queda esperada para os preços, o poder de compra dos salários tende a crescer. Os dados da Pnad Contínua, por exemplo, já indicam estabilização da renda real no último trimestre de 2016.

Para Borges, a redução da inflação, combinada com um forte ciclo de queda da taxa básica de juros, deve fazer com que o consumo reaja, contribuindo para sua projeção de alta de 0,9% do PIB em 2017. Segundo ele, ciclos de queda da Selic como o atual, que em seus cálculos deve chegar perto de 5 pontos percentuais, costumam ser compatíveis com um crescimento do PIB de 2% a 2,5%. “O ciclo recessivo atual é diferente porque o desemprego é mais alto, a crise é mais longa”, pondera ele, mas mesmo assim a expectativa é de que a atividade passe para o campo positivo.

Juan Jensen, economista-chefe da 4E Consultoria, tem adotado uma visão bem menos otimista. Para ele, a redução da Selic só deve ter efeito mais para o fim do ano e os consumidores continuam pessimistas. “Num contexto de mercado de trabalho com desemprego crescente e consumo restrito, não vemos um processo de recuperação forte para a confiança”, escreveu ele na última Carta da consultoria, que projeta nova queda do PIB, de 0,2%, neste ano.