A justiça tem concedido liminar em média em 87% dos casos. Estudo realizado pela Interfarma mostrou que a causa da crescente judicialização da saúde são os cortes nos orçamentos da saúde pública e o demorado processo de incorporar novas drogas ao rol de medicamentos do SUS.

O Supremo Tribunal Federal está analisando dois casos em que um processo foi instaurado para o fornecimento de medicamentos de alto custo, que ainda não tem registro no Brasil e que não estão disponíveis no SUS.

Os casos reavivam o debate sobre o direito ao acesso à saúde e de que forma esse direito deve ser garantido, considerando o impacto que podem trazer aos orçamentos dos governos estaduais e governo federal.

O julgamento foi iniciado em setembro, mas foi suspenso no final do mês, para melhor análise do processo. A decisão final criará jurisprudência, que servirá de referência para outros casos no Brasil.

Está em jogo o conceito de Direito à saúde, que é considerado direito fundamental pela Constituição de 1988, em seu Art. 196. A lei determina que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido pelas políticas sociais e econômicas que tenham como objetivo a redução do risco de doença, e acesso universal igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação da saúde.

Quando a garantia ao tratamento não é respeitada, existe a busca pelo acesso a tratamento através de medicamento através de ações judiciais, que obrigam o Estado a fornecer os remédios necessários.

O debate envolve a obrigação do Estado em fornecer remédios de alto custo e que não fazem parte dos disponíveis no SUS, a pacientes que não têm condições de comprá-los e o fornecimento de remédios que não têm registro na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

Os dois casos que estão sendo analisados pelo STF e que vão balizar as decisões para essa questão se referem a uma paciente com miocardiopatia e hipertensão arterial pulmonar, que entrou com ação contra o governo do Rio Grande do Norte para obter medicamento de alto custo, que recorreu ao STJ. O outro caso é de uma paciente com doença renal crônica e outras complicações, que busca um remédio sem registro na Anvisa. A paciente é de Minas Gerais e com as negativas do estado, recorreu ao STF em 2009.

O ministro relator, Marco Aurélio Mello, entendeu em seu parecer que o Estado brasileiro deve fornecer remédios de alto custo, desde que tais medicamentos tenham registro na Anvisa. Aguarda-se agora o voto dos demais dez ministros.

Defensores do orçamento do estado x defensores do direito do paciente
Para os representantes do poder executivo, os governos não têm condições orçamentárias para fornecer medicamentos que não fazem parte do rol do SUS. Se não há recursos por parte do estado para fornecer esses medicamentos, a solução seria o aumento de impostos. Torna-se claro que a questão é puramente de ordem financeira.

São usados como argumentos os estudos que demonstram que 70% de todos os recursos previstos para compra de medicamentos estão sendo utilizado em casos específicos, para remédios de alto custo, que são exigidos através de ações judiciais. Apenas os 30% restantes são destinados ao atendimento das comunidades.

Segundo o ministro da Saúde, Ricardo Barros, a demanda para atender as ações judiciais cresceram 797% de 2010 a 2015. A Advocacia Geral da União, AGU, defende o governo e só deve fornecer os medicamentos que estiverem disponíveis no SUS.

A defensoria pública geral da União, entretanto, afirma que os processos judiciais não devem ser vistos apenas do ponto de vista financeiro, mas acolher a perspectiva dos doentes que precisam. As demandas judiciais serviram para que alguns tratamentos fossem incorporados ao SUS, fazendo com que seus preços fossem reduzidos.

Segundo esse ponto de vista, a exigência pela obtenção dos medicamentos de alto custo contribui para melhorar a política de saúde para todos. Por esse motivo a questão não deve ser examinada como um problema para o Estado, mas como contribuição para o aprimoramento das políticas públicas de saúde. O fato do medicamento não ter sido ainda registrado na Anvisa não deve impedir que os casos sejam atendidos pelo Judiciário.

É o caso dos pacientes com fibrose cística, uma doença rara, que precisa de medicamentos importados. São drogas não registradas pela Anvisa, mas que precisam ser compradas pelo Estado e fornecidas aos pacientes, segundo declarou o presidente da Abram (Associação Brasileira de Mucoviscidose), que representa esses pacientes.

Em um outro processo que está no Supremo Tribunal Federal e que já se arrasta há sete anos, Alcirene de Oliveira, de 37 anos, exige um medicamento para uma doença renal crônica, com enfraquecimento dos ossos, o Distúrbio Mineral Ósseo, que avança até provocar a morte. Ela precisa do “Cinacalcete”, remédio fabricado no Canadá. Durante um ano, entre 2008 e 2009, ele conseguiu o remédio com ordem judicial, mas depois disso o estado de Minas Gerais suspendeu o fornecimento do medicamento.

O tratamento custa R$2,3 mil por mês e Alcirene não tem condições de comprar as três caixas que precisa.

Existem 23 mil ações semelhantes que estão nos tribunais do país e que serão influenciadas pela decisão do STF.

Protestos e passeatas pelos medicamentos
Vem acontecendo vários protestos em estados do Brasil, numa mobilização com o tema “Minha vida não tem preço”. O objetivo é sensibilizar os ministros do Supremo Tribunal Federal para a causa dos pacientes.

No final de setembro, houve manifestação na Avenida Paulista, com famílias e portadores de síndromes raras. Também no Rio de Janeiro, houve protesto em frente à Igreja da Candelária, onde, com chuva, os pacientes reivindicaram a saúde como um dever do estado. Em Porto Alegre, a manifestação aconteceu no centro histórico, como familiares e pacientes defendendo o direito a tratamento. Os protestos pediram apoio da população para que o SUS forneça os medicamentos de alto custo para aqueles que deles dependem para sobreviver.

Na véspera da votação do dia 28 de setembro, que foi posteriormente suspensa, pacientes e familiares fizeram vigília em frente ao edifício do STF. Em Recife, famílias de crianças com microcefalia e outras doenças raras, se organizaram em grupo, porque os remédios que precisam são caros e não estão nas farmácias públicas. Há casos, por exemplo, de pacientes que sofrem de convulsão, cujo tratamento é indispensável e de alto custo.