Ambev, Vale, Gerdau e Raízen ainda têm notas de risco bem avaliadas.
Levantamento incluir as três principais agências internacionais de risco.

Os repetidos cortes da nota de crédito do Brasil nos últimos meses afastaram diversas empresas brasileiras do chamado grau de investimento. Mas um seleto time de 19 companhias ficou “blindado” dos rebaixamentos e ainda ostenta o “selo de bom pagador” em pelo menos uma das três principais agências de risco, mostram dados das três principais agências internacionais de classificação de risco.

Essas empresas atuam em variados setores, mas têm uma característica em comum: estão temporariamente protegidas das saúde frágil da economia do país e seu suporte de caixa, em caso de necessidade, passa longe dos cofres do governo.

Ambev, Vale, Raízen, BRF, Braskem, Gerdau e Klabin ainda são avaliadas como seguras para investir por menos duas das grandes agências internacionais (veja a lista completa) – embora boa parte delas tenha “perspectiva negativa”, ou seja, chance de um futuro rebaixamento.

O analista Luiz Marcatti, da Mesa Corporate, aponta que as empresas bem avaliadas mostram capacidade de gerar caixa em relação ao tamanho de suas dívidas, mesmo quando as condições do país não são favoráveis. “Se elas tiverem boas condições de honrar seus compromissos, a nota continuará alta”, analisa.

O grau de investimento é visto como um “selo de qualidade” que indica baixo risco de calotes. A partir da nota de crédito que uma empresa ou país recebe, os investidores podem avaliar se a possibilidade de ganhos (por exemplo, com juros) compensa o risco de perder o capital investido com a instabilidade econômica.

Das 114 empresas brasileiras analisadas pela Moody’s, apenas a Ambev mantinha o “selo de bom pagador” até abril. Cerca de 20 companhias perderam o grau de investimento recentemente”, na esteira do rebaixamento do Brasil, informou a agência ao G1.

A Fitch, com 143 empresas brasileiras no portifólio, tem 17 delas com o “selo”. Já a Standard and Poor’s (S&P) analisa 180 companhias no país, mas somente 12 delas permanecem com grau de investimento.

Relação com o governo
Em fevereiro, a agência Moody’s foi a última das três agências internacionais a retirar o “grau de investimento” da nota soberana do país. Em 2015, a Fitch e a S&P já haviam rebaixado o Brasil ao grau especulativo (menos seguro para investir).

O corte da nota do país foi seguido de uma onda de rebaixamentos de empresas, bancos, estados e municípios desde o ano passado. Até 9 de setembro de 2015, 31% das empresas brasileiras na carteira de S&P possuíam grau de investimento, contra apenas 11% em abril.

As empresas que tiveram a nota de crédito atrelada ao rebaixamento do Brasil têm o governo brasileiro como suporte financeiro, direto ou indireto, caso precisem de recursos, explica o presidente da agência de risco brasileira Austin Rating, Alex Agostini.

Empresas brasileiras com grau de investimento até abril de 2016 (Foto: Arte/G1)

Estatais como a Petrobras têm o governo federal como seu principal acionista e responsável por aportar recursos nela. As agências de risco estão de olho, acima de tudo, na capacidade de gerar caixa quando a empresa tem prejuízo.

“É preciso ver quem é o acionista majoritário e se ele tem capacidade de aportar recursos. Se ele tem deficiência de caixa – no caso, o governo em déficit com as contas públicas – a nota dessa empresa tende a ser rebaixada porque o risco é maior”, esclarece Agostini.

Mesmo quando não são estatais, as companhias que mantêm alguma relação indireta com o governo federal também foram rebaixadas após o corte da nota do país. Foi o caso de grandes incorporadoras como Odebretch e Andrade Gutierrez.

“Mesmo se não houvesse Lava Jato, as grandes construtoras teriam seus ratings rebaixados porque seu caixa é alimentado pelas obras públicas”, diz Agostini. “O governo é o principal cliente dessas empresas. Somado à Lava Jato, elas estao impedidas de receber dinheiro do governo, o que piora o cenário”, acrescenta Marcatti, da Mesa Corporate.

A lógica do rebaixamento funciona como o orçamento de uma família. Alguns têm renda própria, outros não. Os que dependem da renda do chefe do lar vão sofrer se ele perder sua capacidade de renda. Os mais autônomos ficam em vantagem.

“Os grandes bancos perderam o rating após o corte do Brasil porque grande parte do dinheiro deles está nos títulos do governo”, explica Marcatti. Se o governo não é mais visto como bom pagador, diz, quem investiu nele ou emprestou para ele também oferece risco. “Não significa que os bancos vão quebrar. Mas seu dinheiro está atrelado a um mau pagador”.

Mercado doméstico
Empresas que têm nota de crédito descolada do rating do país têm outras características em comum, em sua maioria, segundo os economistas: são grandes exportadoras.

Além do bom suporte financeiro, elas não dependerem apenas do mercado doméstico para sobreviver, explica Agostini. “A receita dessas empresas vem do exterior, então ela será menos afetada pelas adversidades da economia do país e seu caixa continuará positivo”.

Segundo Marcatti, grandes exportadoras como BRF e Vale foram favorecidas pela alta do dólar, o que aumentou sua receita em reais e amenizou o peso da dívida em moeda estrangeira. “Elas tiveram o risco administrado”. Outras recorreram a operações de hedge (seguro para se proteger da variação do câmbio), como a JBS, que  investiu em contratos para proteger suas dívidas em dólar no ano passado.

“Para as empresas que atuam exclusivamente no Brasil, o que pesou foi o endividamento em moeda local. A divida bruta disparou, o resultado das contas públicas foi negativo, a retração do PIB. Tudo isso influenciou”, diz o economista da Mesa Corporate.

Os setores menos afetados pela crise econômica, considerados essenciais ao consumo, também foram poupados dos cortes da nota do Brasil, observa Marcatti. É o caso da Raízen, que opera com energia e combustíveis, e as varejistas Ambev e BRF, do setor alimentício. “Apesar da crise econômica, as pessoas continuam comendo e bebendo”, observa Marcatti.

Suporte global
O economista lembra que muitas das empresas com nota alta têm um suporte financeiro global muito forte, como a Ab Inbev, que controla indiretamente a brasileira Ambev. “A empresa tem rating bom não só porque exporta, mas por esse suporte. O Pão de Açúcar não atua no exterior, mas tem o suporte do Casino, seu dono”, compara Agostini.

Marcatti acrescenta que todas as empresas com “selo de bom pagador” vendem para mercados fortes, são bem administradas e têm balanços bons. “Uma exceção é a Braskem, que apesar de ter a Odebrecht como controladora, faz uma administração correta e tem um mercado forte em sua mão”.

Dívida bruta
Para Agostini, a estrutura da dívida externa do Brasil “não é tão ruim” como se imagina. A maior parte da dívida bruta de longo prazo do país está no setor privado (57%) e apenas 15% da dívida total – que era de US$ 334,6 bilhões em 31 de dezembro de 2015 – é de curto prazo.

Desse percentual, apenas 11% pertencem ao setor público. “Isso mostra que, por mais que o país passe por uma crise, a divida das empresas é de longo prazo, então elas têm fôlego financeiro para honrar os compromissos”, analisa. Para o economista, o foco dos cortes está na dívida interna. “Quando olhamos a dívida de curto prazo do setor privado, boa parte pertence ao setor bancário, que tem alta liquidez”