Especialistas alertam para sustentabilidade do fundo

Na falta de recursos para fazer políticas públicas, o governo tem se voltado cada vez mais para o FGTS. Segundo dados do site oficial do Fundo, o montante de subsídios para habitação (a fundo perdido) explodiu a partir do lançamento do programa Minha Casa Minha Vida. Entre 2001 e 2008, foram concedidos R$ 7,4 bilhões a título de subsídio. Mas a partir de 2009, quando o programa foi lançado, até janeiro deste ano, o montante pulou para R$ 43,8 bilhões — alta de 492%, ou quase seis vezes mais. Do total, R$ 36 bilhões foram destinados ao Minha Casa.

Além disso, os donos das contas no FGTS deixaram de ganhar R$ 74,2 bilhões nos últimos sete anos, devido à diferença na correção das contas (de 3% ao ano, mais a TR) e a inflação no período, segundo cálculos do consultor da Comissão de Orçamento da Câmara dos Deputados, Leonardo Rolim. A conta foi feita com base nos saldos médios das contas e a inflação registrada pelo INPC. Só em janeiro deste ano, a perda foi de R$ 6,2 bilhões.

Infográfico: Veja a evolução do FGTS

— Com o crescimento das despesas obrigatórias, como Previdência, saúde e Bolsa Família, acima da receitas, o governo passou a usar o FGTS como alternativa para fazer políticas fora do orçamento. O Fundo, que é privado, está bancando dinheiro a fundo perdido —afirmou Rolim. — O FGTS funciona como um Orçamento à parte da União.

GOVERNO TEM MAIOR PESO NO CONSELHO CURADOR

Um dos motivos para a explosão do gasto dos recursos do FGTS a fundo perdido foi a mudança na sistemática da concessão de subsídios do Fundo com a criação do Minha Casa Minha Vida. Antes, o banco primeiro se assegurava de que a capacidade de pagamento das famílias estava esgotada, para só então conceder o desconto, que ajuda a quitar parte do valor do imóvel e reduz o valor da prestação. Com o Minha Casa, o processo se inverteu. O desconto, que é de R$ 27 mil nas capitais e poderá chegar a R$ 45 mil na terceira etapa do programa, é automático.

Ao lançar o Minha Casa, o governo não só inovou ao exigir do Fundo uma contrapartida maior na concessão dos subsídios (de 82,5%, contra 17,5% da União) nos financiamentos, como impôs ao FGTS a tarefa de bancar moradias na baixa renda, em que o imóvel é praticamente doado. Para esta finalidade, o FGTS repassou ao Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), que deve ser abastecido por recursos da União, R$ 8,1 bilhões.

A ingerência do governo no FGTS vai além da habitação: em 2008, o fundo de infraestrutura do Fundo (FI-FGTS) teve de comprar R$ 7 bilhões de debêntures do BNDES, que aguarda outros R$ 10 bilhões. Recentemente, o governo impôs ao Fundo a compra de R$ 10 bilhões em papéis imobiliários dos bancos, os chamados CRI. Outra proposta polêmica e que está prestes a ser enviada ao Congresso permite o uso dos recursos como garantia no crédito consignado.

— O governo está aplicando recursos do FGTS em áreas fora do que está estabelecido na lei, fazendo uso político ou mau uso do dinheiro do trabalhador — reforçou Mário Avelino, presidente da ONG Instituto Fundo Devido ao Trabalhador.

Segundo ele, para reduzir as ingerências no FGTS, o Conselho Curador do Fundo, que é tripartite (formado por representantes de trabalhadores, empregadores e governo), teria que ser paritário. Atualmente, o colegiado é tripartite, mas o governo tem maior força: 12 dos 24 assentos e poder de desempate. Por isso, praticamente todas as medidas propostas pelo Executivo são aprovadas sem maiores dificuldades.

Especialistas alertam para o risco de deterioração futura das contas do FGTS. Eles lembram que, em 2001, o Fundo “quase quebrou”, quando tinha um patrimônio de R$ 8,9 bilhões e uma conta de R$ 42,2 bilhões para pagar de indenizações aos trabalhadores pelas perdas com planos econômicos (Verão e Collor I). Naquela ocasião, foi feito um grande acordo para pagar a dívida, que foi rachada entre trabalhadores, empregadores e o próprio governo.

A trajetória de alta da taxa básica de juros (Selic) após a chegada do PT ao poder, lembrou Rolim, ajudou a melhorar as contas do FGTS, que obteve ganhos com aplicações nos papéis do governo. O processo de formalização do mercado de trabalho também contribuiu fortemente. O patrimônio líquido do Fundo saltou de R$ 13,908 bilhões em 2003 para R$ 77,559 bilhões em 2014, segundo o site oficial do FGTS. Isso representa uma alta de 457,6%.

Henriqueta Arantes, consultora da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic) e membro do grupo técnico do FGTS, alerta que o governo tem de pensar na sustentabilidade do Fundo. Segundo ela, a função social do FGTS, de alocar recursos constantes para as áreas de habitação, saneamento básico e infraestrutura urbana, pode ficar comprometida nos próximos anos.

— O governo não está preocupado com o que poderá acontecer depois de 2018. Portanto, a sustentabilidade do Fundo não está sendo considerada — disse Henriqueta.

Ela destacou que o Fundo é alimentado pela geração de emprego formal e, desde o ano passado, o país não cria empregos. Ao contrário, em 2015 foram fechadas 1,5 milhão de vagas, e este ano o saldo negativo deve ser maior. Isso reduz o fluxo de caixa do Fundo, com os saques superando os depósitos. Por causa disso, a arrecadação líquida do FGTS caiu nos últimos dois anos. Em 2015, a queda nas receitas foi de 21,8% (R$ 4 bilhões a menos).

O uso dos recursos do FGTS como garantia no crédito consignado, segundo Henriqueta, desvirtua o objetivo do Fundo. O problema maior não é a multa dos 40% nas demissões sem justa causa, porque esse dinheiro não entra na previsão orçamentária do Fundo, mas os 10% do saldo da conta vinculada que também poderão ser oferecidos como garantia. E, em tempos de desemprego em alta, a medida também pode comprometer orçamentos futuros, argumenta ela.

Para o professor de Direito da PUC-Rio Marcelo Trindade, o governo faz uso dos recursos do Fundo da forma como melhor entende porque o FGTS apresenta resultados extraordinários graças à baixa remuneração dos cotistas.

— Por que se fala em receitas excedentes do FGTS? Porque é uma poupança forçada para proteger os trabalhadores em determinados momentos. Agora, você não dar ao trabalhador a possibilidade de escolher a aplicação que ele vai dar a esses recursos é algo completamente equivocado — afirmou Trindade.

Procurado, o Ministério do Trabalho e Previdência, que preside o Conselho Curador, informou em nota que o aumento na concessão dos subsídios não representa um “problema” ou um “ônus” para o FGTS. “Pelo contrário, o aumento das aplicações expandiu o seu alcance social. Além disso, o valor do subsídio é deduzido do resultado (lucro), depois de quitadas todas as despesas do FGTS. O Fundo tem como propósito amparado em lei financiar habitação, saneamento e infraestrutura, ao mesmo tempo em que assegura a integridade dos recursos depositados pelos trabalhadores.”

RECURSOS GARANTIDOS AOS COTISTAS

A nota do ministério ainda ressalta: “A expansão do orçamento do Fundo ocorrida entre 2001 e 2015 é resultado da solidez de seus fundamentos, que permitiram, na área de habitação popular, a construção de mais de 5,2 milhões de unidades, com benefício para mais de 24,6 milhões de pessoas.”

Em nota, o Ministério das Cidades justificou o uso dos recursos para o BNDES, como as aquisições de papéis imobiliários. “Foram ações excepcionais do FGTS, tendo em vista a necessidade atual de investimentos em infraestrutura, de forma a garantir a manutenção das conquistas do trabalhador, principalmente a manutenção de empregos, que são a base de sustentação do FGTS. Esses recursos foram aplicados preservando a sustentabilidade do Fundo e sem renunciar à prioridade de investimentos em habitação para famílias de baixa renda, sobretudo no Programa Minha Casa Minha Vida e em áreas importantes como saneamento e mobilidade urbana”, diz o texto.

De acordo com dados da Caixa Econômica Federal, entre 2001 e 2015, o FGTS aplicou R$ 300,8 bilhões, somando as áreas de habitação, saneamento e infraestrutura urbana. Em novembro de 2015 (últimos dados divulgados), o Fundo tinha uma disponibilidade de R$ 150,4 bilhões (montante aplicado e liberado, de acordo com a execução do orçamento). Além disso, há uma reserva de liquidez de R$ 38,488 bilhões (valor reservado para pagamento de saques). O saldo total das contas individuais dos trabalhadores é de R$ 337,4 bilhões. Esses recursos estão emprestados, mas são garantidos aos cotistas.