Políticas de expansão do crédito e acesso aos bens para os mais pobres contribuiu para reduzir a desigualdade desde os anos 2000

O Brasil apresenta uma concentração de renda alta. O país tinha, segundo dados calculados pelo Banco Mundial, um índice de Gini de 52,9% em 2013. O índice mede o nível de desigualdade variando de 0 a 100%. O zero implica concentração total da renda, e 100% implica igualdade completa. Como exemplos ilustrativos temos a Finlândia com Gini de 27,1% em 2012, os Estados Unidos com 41,1% em 2013, França com 33,1% em 2012, a Argentina com 42,3% em 2012 e o Chile, 50,3% em 2013.

O economista Thomas Piketty ganhou notoriedade por chamar a atenção para o fato de que existe uma tendência de concentração de renda em andamento nos países desenvolvidos nas últimas décadas. As causas que vão desde fatores demográficos à dinâmica do mercado de trabalho. No caso norte-americano o retorno da educação vem subindo nas últimas décadas explicando boa parte do aumento da desigualdade.

O Brasil chama atenção pela razão oposta. A desigualdade vem caindo ao longo das últimas décadas por conta de demografia favorável, melhora na educação associada à queda no retorno da educação, políticas redistributivas e estabilidade macroeconômica.

Em um estudo que realizamos em conjunto com Marcelo Caparoz, utilizando a base de dados da Pesquisa Nacional por amostra de Domicílio realizada pelo IBGE desde 1977 até 2013 obtivemos a evolução temporal das parcelas apropriadas pelos 1% mais ricos, 10% mais ricos, 10% mais pobres e 50% mais pobres no Brasil. Os gráficos abaixo ilustram a evolução na participação na renda dos 10% mais ricos e dos 10% mais pobres.

Há claramente uma melhora (piora) para a ponta direita (esquerda) da distribuição, ou seja, os 10% mais pobres (ricos) tiveram sua parcela de renda diminuída (aumentada). Essa análise pode ser corroborada por estratégia econométrica mais robusta. A grande novidade na distribuição de renda ocorreu nos estratos mais baixos. Os 10% mais ricos perderam participação em favor dos 10% mais pobres.

O ponto de mudança ocorreu no começo do século XXI e o novo regime que vigora nos anos 2000 em diante é o melhor observado em todos anos da amostra. O padrão observado nacionalmente se repete em linhas gerais em todas as regiões. O que varia é a data do início do novo regime de distribuição mais benigna de renda. A grande exceção são os muitos pobres do Nordeste para os quais não houve melhoria significativa.

É possível identificar um regime de distribuição de renda concentrada nos anos oitenta e boa parte dos noventa quando prevaleceu o descontrole macroeconômico e inflação. A partir de 2003 em diante, com a economia estável e possivelmente com efeitos de políticas sociais é que observamos um aumento da participação dos mais pobres e concomitante redução dos mais ricos.

A inflação atingiu níveis de 80% ao mês ao final do governo Sarney. A instabilidade macroeconômica gerou uma redistribuição de renda dos mais pobres para os mais ricos. O governo coletava o imposto inflacionário via emissão de moeda para financiar gastos excessivos. O efeito é significativo para todas as regiões do Brasil.

A instabilidade onerou fortemente os pobres por um longo período. Com a redução da inflação e aumento das políticas sociais, ocorreu um aumento da participação dos 10% mais pobres na renda do país. Isso pode ser observado usando o comportamento do salário mínimo real.

Há ainda um concomitante aumento no acesso ao ensino superior altamente correlacionado com o porcentual de renda dos 50% mais pobres o que pode ter ajudado esta redução de concentração de renda.

O regime de alta concentração de renda prevaleceu durante os anos de instabilidade inflacionária na maior parte das análises enquanto que o regime de baixa prevaleceu nos anos setenta e nos anos 2000 em diante, sugerindo uma volta à normalidade dos anos setenta. A anomalia parece ter sido os efeitos da inflação. Mas não podemos descartar as políticas de expansão de crédito e acesso aos bens para os mais pobres desde 2000.