O vendedor Adriano Carvalho, 22 anos, desistiu dos planos de iniciar a faculdade de biologia. As perspectivas mudaram desde que foi demitido, há quatro meses, do emprego em uma loja na rua Santa Ifigênia, principal centro de comércio de eletroeletrônicos de São Paulo, onde trabalhava havia cinco anos.
Das cinco lojas que pertenciam ao grupo que o empregava, duas fecharam no ano passado. Pelas suas contas, outros 20 funcionários com quem convivia na região foram demitidos. “Dos meus colegas que trabalhavam lá, 75% estão desempregados”, estima.
Para garantir alguma renda ele foi atrás de “bicos” e, com a ajuda de um amigo, trabalhou como operador de trator em obras de terraplenagem. Ganhou cerca de R$ 2 mil mensais, menos do que os R$ 3,5 mil por mês dos tempos de comércio aquecido, em 2012.
A primeira conta a atrasar foi a do cartão de crédito. A dívida, que era de R$ 5 mil, saltou para R$ 15 mil após três renegociações. A cada mês que atrasa o pagamento, ele se assusta com o tamanho da fatura do mês seguinte. “O valor da fatura sobe muito rápido. Estou trabalhando para pagar juros”, diz. A prioridade de Carvalho, no entanto, é não deixar de pagar o financiamento do carro; faltam 36 parcelas de R$ 680. “Fico um mês ou outro sem pagar o cartão, mas não deixo de pagar mais de uma parcela do carro”, diz Carvalho.
Na casa da família, em Pirituba, zona oeste de São Paulo, a renda do jovem não pode faltar: além dele, o único salário fixo vem da irmã de 18 anos, caixa de supermercado. A mãe teve interrompido o benefício que recebia do INSS por invalidez, e o pai, que fazia funilaria e pintura de automóveis, parou de trabalhar devido à idade, mas não se aposentou.
Além dos financiamentos, entram na lista de despesas fixas a conta de celular, os gastos com água, luz e alimentação da família, que inclui ainda dois irmãos mais novos, que não trabalham. “Estou me esforçando para manter o carro, que ao menos é um bem para a minha família”, diz Carvalho.
Dados da Serasa Experian apontam que a alta do desemprego já é o fator que mais causa atraso no pagamento de dívidas entre pessoas físicas. O maior número de desempregados é responsável por 26% dos casos de inadimplência. Segundo a SCPC Boa Vista, 59% dos casos de inadimplência em setembro estavam na classe C.
A inflação e os juros altos apertam ainda mais o orçamento. Luiz Rabi, economista-chefe da Serasa Experian, explica que há um ano, com taxas do serviço das dívidas mais baixas, era possível pegar um empréstimo maior e, ainda assim, pagar menos por mês. “Com os juros mais altos, a quantia emprestada é menor, mas fica mais difícil para as famílias quitá-la”, diz Rabi. Carvalho diz que está muito difícil renegociar com os bancos. “Já liguei algumas vezes, mas o valor da fatura sempre sobe muito”, conta o jovem desempregado.
Everton Gomes, economista do Santander, afirma que o crédito rotativo do cartão – aquele em que só se paga parte do valor da fatura – está ganhando mais espaço entre os consumidores em meio à crise. “Há um estoque muito grande de cartão na mão das pessoas, que é muito mais difícil de o banco controlar do que um empréstimo pessoal”, pondera.
Em novembro, a inadimplência da pessoa física no rotativo do cartão de crédito estava em 35,4%, ante 35% no ano passado, de acordo com o Santander. Créditos emergenciais, como o pagamento mínimo, parcelamento da fatura ou cheque especial, são alertas de inadimplência futura, diz Gomes.
“Às vezes a pessoa usa o cartão de crédito para pagar a parcela do crédito imobiliário, ou do veículo, por exemplo. Então a inadimplência tende a aparecer antes no cartão”, explica o economista. Enquanto a inadimplência das pessoas físicas no cartão subiu 7% entre novembro de 2014 e de 2015, a dos empréstimos livres (como os empréstimos pessoais) aumentou apenas 5,4% no mesmo período.
No financiamento de veículos, diz Gomes, a situação é menos preocupante porque a carteira desta modalidade de crédito está caindo pelo quarto ano consecutivo. No segmento, a inadimplência segue estável na casa dos 4%. “Os bancos estão liberando menos financiamentos e a demanda também caiu”, diz o economista.
Carvalho possui cartão de crédito desde 2008 e diz que somente atrasou os pagamentos após perder o emprego. A situação saiu do controle quando parou de receber o seguro-desemprego. “Foi aí que comecei a atrasar o cartão.”
Como ficar sem renda não é opção, o ex-vendedor na Santa Ifigênia aproveita a experiência com eletroeletrônicos para instalar equipamentos de som automotivo e câmeras de segurança. “Estou melhor que muita gente, porque ainda estou pagando alguma coisa. Tem muito amigo da minha idade e na minha situação que já largou o barco, deixou a dívida correr”, afirma Carvalho.