Os brasileiros trocaram menos de emprego no ano passado. A combinação de recessão e endurecimento das regras para concessão de seguro-desemprego, na avaliação de alguns especialistas, provocou queda de quase dez pontos percentuais na taxa de rotatividade em 2015 -de 52,5% para 42,9%.

Ainda que parte dessa retração seja conjuntural, decorrente da desaceleração da atividade e do número menor de oportunidades, a dinâmica representa economia expressiva para as empresas, que cortam gastos com treinamento e retêm mão de obra mais qualificada.

O cálculo, feito pelo Valor com base nos dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), sinaliza uma tendência, já que a base usada pelo Ministério do Trabalho, a Relação Anual de Informação Sociais (Rais), ainda não tem dados atualizados de 2015.

No ano passado, mesmo diante de saldo negativo de 1,5 milhão de vagas com carteira assinada, lembra o professor da Universidade de Brasília Carlos Alberto Ramos, o total de desligamentos no país caiu 9,5%, somando 19,3 milhões de separações. Foram as contratações, que encolheram 18,3%, as principais responsáveis pela redução do estoque de trabalhadores formais para 39,6 milhões, nível parecido ao registrado em 2012.

Esse duplo movimento, explica o professor, tende a aumentar o tempo médio de serviço dos trabalhadores que se mantiveram empregados – algo que será visível na divulgação da Rais, no segundo semestre – e, portanto, reduzir a rotatividade. “Mas a pergunta é: por que os desligamentos estão caindo?”, questiona Ramos.

Para ele, há duas explicações possíveis. De um lado, muitas empresas tentam preservar os quadros de funcionários para evitar os custos de demissão e recontratação durante a retomada. Diante de uma recessão mais longa, contudo, crescem as chances de que esses desligamentos se concretizem.

O tipo de demissão que tende a continuar caindo é o feito com a anuência do trabalhador – a pedido dele ou por meio de acordo com a empresa. “Os assalariados estão mais prudentes e temerosos na hora de pedir desligamento porque sabem que encontrar outro emprego com carteira está difícil”.

Essa foi a explicação encontrada pela empresa de telemarketing AlmavivA para a redução do “turnover” mensal de uma média de 5% para 1,8% nos últimos meses de 2015. “Muita gente sai nesse período para trabalhar no comércio, ganhar um dinheiro extra. Mas o que vimos no ano passado foi algo diferente”, diz Francesco Renzetti, presidente da empresa, ao falar sobre a queda no número de desligamentos a pedido.

Em expansão no país, a companhia italiana tem aqui cerca de 32 mil funcionários, 18 mil só no Nordeste, e tem intensificado desde o fim de 2014 as políticas de fidelização, com ênfase em cursos de formação e desenvolvimento de planos de carreira. “A queda da rotatividade, para nós, não é só reflexo da crise”, comenta. A matriz na Itália acompanha de perto o indicador, que é levado em conta durante o planejamento orçamentário.

Para o professor da PUC-Rio Gustavo Gonzaga, a legislação trabalhista incentiva a rotatividade no Brasil, fazendo com que ela seja crônica e artificialmente elevada e reduzindo a produtividade da economia. Em estudo publicado recentemente, ele afirma que há uma percepção tanto das firmas quanto dos trabalhadores que ela gera ganhos de curto prazo.

Do lado dos empregados, há o FGTS, que é remunerado a taxas negativas e cuja forma mais fácil de acesso é através da demissão sem justa causa. Ainda que o trabalhador não receba a multa de 40% – caso tenha feito um acordo com a empresa -, o desligamento também lhe dá acesso às parcelas do seguro-desemprego, mais um incentivo, um ganho de renda, destaca o economista.

No caso das empresas, os desligamentos acompanhados pelo Caged aumentam nos períodos de introdução de custos trabalhistas, como o fim do contrato de experiência, em 90 dias, e a obrigatoriedade de homologação da demissão nos sindicatos – com consequente aumento do risco de fiscalização -, em 12 meses.

Parte desses incentivos, contudo, foi reduzida após o endurecimento das regras para concessão do seguro-desemprego em março do ano passado. Entre outras mudanças, a Lei 13.134 elevou o período mínimo para o pedido do benefício de 6 para 12 meses para quem o requere pela primeira vez.

Em 2015, o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) habilitou 7,6 milhões de novos segurados, volume 9,6% menor do que o registrado em 2014. A queda teve impacto importante nas contas do fundo, que viu os gastos com o seguro crescerem 3,6% em termos nominais – percentual distante da inflação acumulada no período, de 10,67% -, para R$ 34,4 bilhões. O aumento deve-se basicamente ao reajuste do piso do seguro, que acompanha o salário mínimo, de R$ 724 para R$ 788.

Carlos Henrique Corseuil, coordenador de estudos de trabalho e renda do Ipea, admite que a legislação pode incentivar os acordos e fraudes, mas diz acreditar, com base nos dados do Caged, que ela não explica sozinha a rotatividade elevada no Brasil.

Entre outros fatores, a própria estrutura do mercado de trabalho no país, baseada em uma maioria de postos de baixa remuneração e com baixas exigências de qualificação, não estimula o desenvolvimento de uma relação duradoura entre empregadores e funcionários. “Há uma desconfiança natural das duas partes. O empresário não tem interesse em treinar a mão de obra, oferece condições ruins de trabalho. O funcionário também não vê grandes oportunidades para subir na carreira”.

Ramos, da UnB, também enfatiza a postura das empresas, destacando que boa parte delas, mesmo sabendo que o país tem um problema “conhecido” de baixa qualificação de mão de obra, não investe em formação ou em políticas de fidelização. “A variável rotatividade não é exógena, depende também do empregador, de sua forma de administrar os recursos humanos. Se a falta de formação é tão relevante, por que não utilizam políticas para reduzir a rotatividade?”.

Foi pensando nisso que o grupo Trigo, dono das marcas Spoleto, Domino’s, e Koni Store, passou a investir em iniciativas como o “programa nhoque da fortuna” e o “programa de desenvolvimento trigo”, ambos voltados para o crescimento profissional em todos os níveis. Segundo Claudia Pombal, gerente corporativa de gente e gestão da companhia, o “turnover” da empresa gira em torno de 40%, contra 120% na média do varejo alimentício.

A rotatividade manteve-se estável em 2015, ela afirma, mas em muito por conta dos desligamentos feitos pela própria empresa. As demissões a pedido, conta Claudia, desaceleraram de forma expressiva no ano passado, distanciando-se do período, algum anos atrás, em que a empresa perdia empregados inclusive para o setor da construção civil. O grupo conta 33 lojas próprias com mil funcionários e outras 630 franquias com mais de 7 mil colaboradores.

Fonte: Valor Econômico