O Fórum Nacional contra os Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos pretende chamar a Receita Federal para esclarecer a sociedade brasileira sobre os subsídios tributários que governos estaduais e federal concedem a fabricantes de agrotóxicos e transgênicos. O objetivo é obter informações precisas sobre o quanto o país deixa de arrecadar ao reduzir ou mesmo zerar alíquotas para a importação, exportação, produção e comercialização desses produtos.

Afinal, qual o montante de que estados e União abrem mão ao incentivar esses produtos comprovadamente responsáveis pela contaminação das águas e dos alimentos e por causar doenças graves, como diferentes tipos de câncer e malformações congênitas, que oneram o SUS? Isso tudo sem contar as intoxicações agudas e crônicas sub-notificadas no país. Estimativas apontam que para cada caso registrado, outros 50 deixam de ser notificados.

O Fórum também quer trazer para o debate sobre a farra dos agrotóxicos o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). A ideia é ouvir o órgão sobre a liberdade para o oligopólio do setor – ou seja, o domínio do mercado por cinco grandes empresas. De que maneira a Bayer-Monsanto, Basf, Syngenta, Dow e DuPont se mantêm há décadas no comando de mais de 80% desse segmento, dificultando a livre concorrência, impondo condições e, principalmente, inibindo o desenvolvimento de empresas e produtos comprometidos com a saúde e a sustentabilidade?

Maior consumidor mundial de agrotóxicos desde 2008, o Brasil vem aumentando seus números de importação e utilização a cada ano. Segundo boletins anuais do Instituto Brasileiro Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), em 2013, foram 495,7 mil toneladas vendidas. Em 2017 já eram 539,9 mil toneladas. E em 2016, 541,8 mil. A julgar pela liberação recorde do registro de 239 outros agrotóxicos nos primeiros seis meses do governo de Jair Bolsonaro (PSL), a tendência é que o uso aumente ainda mais, para alegria das corporações. E que os cofres públicos sejam ainda mais afetados ao ter de custear o aumento de doenças comprovadamente associadas a esses produtos, que seguem livres de impostos para aumentar seus lucros.

A agenda de debates em estudo no Fórum resulta de solicitação encaminhada pelo defensor público do estado de São Paulo Marcelo Novaes, durante audiência pública realizada pelo Ministério Público Federal no último dia 27 de junho, na sede da Procuradoria Geral da República (PGR), em Brasília. Com o tema Isenção Fiscal de Agrotóxicos, a audiência teve como objetivo atualizar informações sobre a questão, cuja constitucionalidade está sendo questionada no Supremo Tribunal Federal (STF) por meio da ADI 5.553, movida pelo Partido Socialismo e Liberdade (Psol).

A ação pede que sejam declaradas inconstitucionais cláusulas do Convênio 100/1997, do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), e dispositivos da Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (Tipi), estabelecida pelo Decreto 7.660/2011. A primeira cláusula questionada é a que reduz 60% da base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) de agrotóxicos nas saídas interestaduais. A segunda autoriza os estados e o Distrito Federal a conceder a mesma redução nas operações internas envolvendo agrotóxicos. Já o decreto concede isenção total de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) aos agrotóxicos.

Alíquotas zeradas
Em 2004, a Lei 10.925 zerou para as alíquotas de contribuições para Programas de Integração Social (PIS) e Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins) para importação e comercialização de fertilizantes e agrotóxicos. Além disso há redução de 60% da base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e isenção total do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Há estimativas de que o país deixou de arrecadar ao menos R$ 2,07 bilhões com subsídios aos agrotóxicos.

O montante, porém, é bem maior segundos cálculos de Marcelo Novaes. Só em 2016, o governo federal e estaduais destinaram mais de R$ 14 bilhões para a indústria de agrotóxicos a título de subsídios tributários. É como se cada brasileiro tirasse do bolso R$ 70 para entregar a indústrias que poluem, causam doenças e morte. Desse total, R$ 8,3 bilhões correspondem a todo o ICMS, IPI, PIS E Cofins do imposto de importação que o setor está livre de recolher. E R$ 6 bilhões de subsídios tributários indiretos. Isso porque, segundo a legislação brasileira, agrotóxicos são insumos e como tal, são abatidos integralmente da renda tributável do produtor rural enquanto pessoa física ou jurídica.

Para chegar a essas cifras, Novaes partiu de dados do próprio setor. Entre eles, aqueles fornecidos por um estudo que a Barral M Jorge Consultores Associados fez em 2017 sob encomenda para o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg), o sindicato das indústrias de agrotóxicos. Considerou o cenário 5, com elevação do IPI em 10%, revogação do convênio ICMS, elevação do PIS em 1,65% e Cofins em 7,6%, conforme tabela 17, a seguir. Somou o dobro do total importado em 2016, conforme tabela 7 – dobrou o valor porque os consultores usaram apenas a metade do total de importações –, aplicando câmbio do dólar a R$ 3,47.

 

 

“Subtraí R$ 518 milhões de pagamento de tributos indiretos, dados que tenho junto à Receita Federal, e também o pagamento do ICMS, conforme tabela 12. Temos então o total dos subsídios tributários de natureza direta. São números fornecidos pela própria indústria. R$ 8,7 bilhões de desoneração. Um valor subestimado, já que a desoneração do Imposto de Importação seria 30% maior do que eu considerei. Depois disso temos os subsídios indiretos. Dedutibilidade integral da despesa com aquisição de insumos dos tributos sobre a renda. Calculei a alíquota de 20% sobre R$ 30 bilhões – reduzi 10% do total da venda, que foi de R$ 33 bilhões. Isso dá  R$ 14,7 bilhões de subsídios tributários. Engloba desoneração, alíquota zero, imunidade,  isenção, perdas financeiras”, aponta Marcelo Novaes.

 

 

 

Ciranda financeira
O montante de incentivos está abaixo do real porque há fatores importantes para a conta ainda inacessíveis, como incentivos de crédito, por exemplo, que aparecem como taxa de equalização de juros no Plano Safra, já que os agrotóxicos representam perto de 17% dos custos da produção agrícola. Há ainda incentivos financeiros, como anistia de dívidas, repactuação e os contratos de Barter. Trata-se de uma modalidade de crédito em que fabricantes de agrotóxicos e sementes vendem seus “pacotes” aos produtores rurais em troca da colheita que ainda nem foi semeada. Tudo paralelo a subsídios estatais por meio do crédito agrícola.

Conforme explica, os juros embutidos pelos fabricantes nessas negociações chegam a ser abusivos, o que prejudica em cheio a vida de produtores de tamanho pequeno e médio. Ele estima que com a cobrança de taxas de 15%, os produtores agrícolas transferem às empresas algo em torno de R$ 4,5 bi no ano. É uma estimativa. “O (imposto sobre operações financeiras )IOF tem a alíquota de 0,38% e incide sobre o valor do título. Se as indústrias financiarem R$ 30 bi, e se forem lançados apenas três títulos de crédito, a perda de arrecadação seria de R$ 1 bilhão. Isso é uma estimativa conservadora, sobre a transferência de renda e desoneração dos títulos quanto ao IOF”, afirma.

A indignação, segundo ele, é que o Brasil é exportador de bilhões de dólares de commodities agrícolas que consomem 80% de todo o agrotóxico que ao ser pulverizado, por máquinas ou aviões, contaminam tudo. “Em 2017, foram US$ 96 bilhões, com arrecadação de R$ 5 mil. A participação do agronegócio é de menos de 0.3% do total de receitas.”

Domínio
Outro relatório entregue por Novaes ao coordenador-geral do Fórum Nacional contra os Impactos dos Agrotóxicos, o procurador do Ministério Público do Trabalho em Pernambuco, Pedro Luiz Serafim, aponta as tendências do setor. Produzido pela consultoria Bain & Company com financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o estudo mostra, entre outras coisas, que 90% do mercado de agrotóxicos é dominado por empresas titulares de patentes, mesmo as vencidas. E que elas podem controlar o mercado de intermediários, optando por comercializá-los – normalmente a preços altos – ou limitar o acesso a ele. Tanto é que, conforme o documento, várias plantas dessas empresas instaladas no Brasil operam na capacidade máxima.

Pelo que tudo indica, a situação favorável a esses conglomerados deve se estender por um longo tempo. Ainda segundo o relatório, uma das razões é que as culturas transgênicas tendem a aumentar ainda mais a demanda por agroquímicos. Afinal, a maior parte dos organismos geneticamente modificados consiste de sementes resistentes a determinados agrotóxicos.

É o caso da soja resistente ao glifosato, por exemplo. Como as plantas diferentes da soja vão aumentando a resistência ao produto, as empresas desenvolvem sementes de soja que não morrem mesmo com banhos de veneno cada vez mais tóxicos. São garantidos assim os mercados de sementes e de agrotóxicos, que passam a ser vendidos em quantidades maiores.

Embora as empresas tentem negar, os consultores destacam que “atores relevantes da indústria afirmam que os transgênicos não representam uma ameaça ao mercado de defensivos agrícolas devido à complementaridade entre os produtos (defensivos e sementes geneticamente modificadas). Também é importante ressaltar que mesmo em culturas com alto índice de utilização de sementes transgênicas, como a soja no Brasil e o milho nos Estados Unidos, existe uma perspectiva de aumento do uso de defensivos – reforçando que defensivos e sementes transgênicas, em muitos casos, são complementares e não substitutos”.

Assim, a demanda por agrotóxicos no Brasil deve crescer em função do aumento de áreas destinadas à cana, milho e soja para o decênio 2012-2022, da ordem de 2% a 3% ao ano. E do algodão, acima dos 7% ao ano. Por isso, os conglomerados querem trazer para cá novas plantas industriais. Além de aumentar a participação no mercado local, visam desenvolver know how de processo e de produto que podem ser aproveitados depois em outras subsidiárias.

“Em vez de investir em novos produtos, menos tóxicos, essas empresas vão investir em semente resistentes a moléculas velhas, dos anos 70 ou da década de 80. Então, qualquer medida que venha a ser tomada para diminuir o uso de agrotóxico, tem de mexer na concentração no mercado. E o foro para discutir isso é o Cade”, diz Marcelo Novaes.

A reportagem procurou o Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Questionou se o fato de Bayer-Monsanto, Basf, Syngenta e Dow responder por 80% do setor, não estariam dificultando a concorrência. Afinal, entre outros aspectos, têm em comum o investimento em novas sementes transgênicas resistentes às moléculas antigas, que esses próprios criaram, lucrando com a venda das sementes e dos agrotóxicos.

Por meio de nota, a autarquia vinculada ao Ministério da Justiça limitou-se a informar que o “Cade não manifesta entendimentos sobre questões em tese. As análises são realizadas caso a caso, sendo que o pronunciamento do Conselho é realizado apenas por meio de votos, pareceres, manifestações e estudos econômicos”.

E ressaltou que, em cumprimento à sua função de zelar pela livre concorrência, “o Cade monitora constantemente todos os mercados e apura eventuais indícios de infração à ordem econômica que detecta”.