Uma nova Guerra Fria contra a China é contra os interesses da humanidade e constitui uma ameaça à paz mundial. A partir dessa máxima, a campanha “No Cold War”, que reúne ativistas e intelectuais em inúmeros países, tem realizado uma série de eventos online para discutir o impacto global da tensa relação entre os Estados Unidos e a potência asiática.

No próximo sábado (15), às 10h, é a vez do Brasil. A iniciativa realizará um evento online, em parceria com o Instituto Tricontinental de Pesquisa Social, que conta com a presença de importantes líderes brasileiros críticos as declarações e ações cada vez mais agressivas do governo americano em relação à China. 

Entre as participações confirmadas estão a ex-presidenta Dilma Rousseff, Celso Amorim, ex-Ministro das Relações Exteriores e da Defesa nos governos Lula e Dilma, Elias Jabbour, professor da UERJ, Monica Brukman, professora da UFRJ e ex-assessora da Secretaria Geral da Unasul, Paulo Buss, professor, ex-presidente da Fiocruz e ex-representante do Brasil na Organização Mundial de Saúde (OMS), e João Pedro Stédile, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST). 

Wang Wen, Diretor Executivo do Chongyang Institute for Financial Studies , da Universidade Popular da China (Renmin University), também tem presença confirmada no debate virtual.

Os entraves da diplomacia brasileira sob o governo Bolsonaro e o distanciamento com a China, assim como o papel dos BRICS e a relação entre o Brasil e o país asiático durante os governos petistas estão entre os temas a serem abordados. Outro ponto a ser analisado é se o socialismo com características chinesas traz algum exemplo útil ao Brasil.

A campanha “No Cold War”, que também composta pelo Instituto Simón Bolívar e pela ALBA Movimentos Sociais, lançou um manifesto no início do ano que já conta com centenas de assinaturas e que posiciona-se em defexa da cooperação global. 

 

Segundo a iniciativa, a nova Guerra Fria entre as duas potências gera empecilhos no combate a problemas mundiais como mudanças climáticas, controle de pandemias, racismo e desenvolvimento econômico.

“Conclamamos aos EUA a se afastarem dessa ameaça de Guerra Fria e também de outras ameaças perigosas à paz mundial em que estão envolvidos, incluindo: retirada do Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário; retirada dos Acordos de Mudança Climática de Paris; e seu crescente desengajamento dos órgãos da ONU. Os EUA também devem parar de pressionar outros países a adotarem posições tão perigosas”, defende trecho do manifesto.

A importância da China para a luta contra a pandemia, partindo do ponto de vista que o país é o grande produtor de insumos para os imunizantes, será outro ponto debatido. O evento também abordará, de maneira geral, os próximos capítulos das relações China-Brasil-EUA, no contexto da nova administração do democrata Joe Biden  e diante do leilão do 5G no Brasil. 

Os passos para desenvolver uma política externa brasileira independente e reflexões sobre como organizações e indivíduos interessados podem contribuir com a campanha complementam a programação do evento.

 

Histórico

O discurso trumpista de que a China seria a única responsável pelas graves consequências da pandemia do novo coronavírus nos Estados Unidos, o país mais afetado pelo “vírus chinês”, é somente mais um aspecto dessa guerra fria  travada pelosEUA.

As relações entre as duas maiores economias do mundo se deterioraram desde 2018 e são marcadas por imposições de tarifas sobre produtos importados, barreiras comerciais e até acusações de espionagem.

O que está por trás desta relação conflituosa, entretanto, é algo ainda maior: a definição sobre quem será o protagonista da economia global nas próximas décadas.
 
A disputa foi tema do Dossiê nº36 do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social lançado em janeiro deste ano.

Ao fazer um resgaste histórico da construção do imperialismo norte-americano e de elementos econômicos do último período, o documento aponta que os Estados Unidos não serão mais a maior economia do mundo em um futuro próximo devido à ascensão chinesa.

Com sua hegemonia ameaçada, o país tenta manter seu domínio global por meio da chamada guerra híbrida, conceito no qual se baseia a análise dos pesquisadores do Instituto.  

Cunhado pelo analista político Andrew Korybko, autor da obra Guerras híbridas – das revoluções coloridas aos golpes, o termo se refere a estratégias de guerra não convencionais que buscam desestabilizar e controlar governos, assim como causar conflitos identitários no interior de diferentes países. 

Segundo o dossiê, em uma guerra híbrida o agressor atua com base em quatro estratégias  não militares: as guerras informacional, diplomática, econômica e política, que levam ao aprofundamento do caos por meio de atos de sabotagem e ameaças de invasão, a exemplo das ofensivas dos Estados Unidos contra a Venezuela e Irã.

A retórica hostil contra o governo e o povo chinês, perseguições contra as companhias chinesas e a culpabilização pela pandemia, são algumas das táticas dessa guerra híbrida contra o país asiático, além das sanções econômicas objetivamente aplicadas.

Porém, as ideias racistas e anticomunistas contra a China não reverberaram mundialmente e nem trouxeram instabilidade interna. 

 

5G

Há uma grande preocupação dos Estados Unidos em relação ao desenvolvimento das empresas chinesas de alta tecnologia que produzem equipamentos e softwares para telecomunicações, com destaque para a tecnologia 5G. 

Isso porque, conforme observado pelo próprio Conselho de Inovação em Defesa dos EUA em abril de 2019, e registrado pelo dossiê, “o líder do 5G deve ganhar centenas de bilhões de dólares em receita na próxima década, com ampla criação de empregos em todo o setor de tecnologia sem fio”.

“O 5G também tem o potencial de revolucionar outras indústrias, já que tecnologias como veículos autônomos obterão enormes benefícios com a transferência de dados mais rápida e maior.  O 5G aprimorará a Internet das Coisas (IoT, sigla em inglês), aumentando a quantidade e a velocidade do fluxo de dados entre vários dispositivos, e pode até mesmo substituir o backbone de fibra ótica usado em tantos lares. O país que possuir 5G possuirá muitas dessas inovações e definirá os padrões para o resto do mundo”, declarou o Conselho.

Com os avanços das empresas chinesas, de acordo com o artigo, é improvável que empresas estadunidenses fabriquem o tipo de transmissor necessário para os novos sistemas de forma antecipada. Tampouco empresas de outros países.  

Ainda que os Estados Unidos tenham feito acusações de roubo de propriedade intelectual ou de erosão da privacidade por parte das empresas chinesas, não inibiram os avanços no desenvolvimento da tecnologia 5G. 

Agora o país governado por Trump segue com pressão política sobre os governos mundiais para conter ou proibir a entrada de empresas chinesas como a Huawei e ZTE.

Ainda que os Estados Unidos estejam usado todos os recursos, desde a pressão diplomática até a militar, nenhuma delas deve frear o crescimento e o avanço da alta tecnologia chinesa na opinião dos pesquisadores do Instituto Tricontinental.

O país asiático colhe, hoje, os frutos de estratégias antigas. Em meados dos anos 2000, enquanto os Estados Unidos estavam atolados em guerras no Afeganistão, Iraque e outros lugares, a China construiu um sistema de comércio que conectou intimamente grandes economias do mundo a sua. 

Durante a pandemia de covid-19, o país foi o primeiro a frear a proliferação do vírus e retomar a atividade econômica em níveis próximos à normalidade. Como consequência, o FMI projeta que quase 60% do PIB global estimado em 2020-2021 será devido ao crescimento chinês.