Funcionárias em licença-maternidade não devem trabalhar, ainda que de forma esporádica. O entendimento foi adotado pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) em dois julgamentos.

Num deles, a empresa mineira Cocal Cereais foi condenada a pagar a uma empregada indenização correspondente ao que recebeu em todo o período (120 dias), embora tenha trabalhado apenas algumas vezes. Os ministros ainda concederam danos morais no valor de R$ 10 mil. No outro, a Natura teve que pagar R$ 50 mil por danos morais a uma ex-funcionária que trabalhou em casa durante a licença.

Segundo o processo que envolve a Cocal Cereais, a empregada deu a luz no dia 4 de abril de 2011 e deveria ficar em licença-maternidade até agosto de 2011. Porém, uma semana após o parto, retornou ao trabalho, primeiro em sistema de home office e depois na empresa. Em sua defesa, forneceu provas de que chegou a viajar a trabalho no período.

No Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de Minas Gerais, a empresa mineira Cocal Cereais já tinha sido condenada e recorreu ao TST com a alegação de que a funcionária só tinha trabalhado em alguns dias durante a sua licença e por vontade própria. Contudo, a 4ª Turma do TST foi unânime ao entender que a empresa, conhecedora da legislação, não poderia permitir que ela trabalhasse.

De acordo com a decisão da relatora, desembargadora convocada Rosalie Michaele Bacila Batista, de 5 de abril a 2 de agosto de 2011, a funcionária “deveria estar completamente à disposição de sua filha, totalmente livre de suas atribuições para pensar na criação e amamentação da criança, sob pena de se frustrar o objetivo do texto constitucional”.

Como existem provas de que ela trabalhou, ainda que de forma esparsa, durante a licença, a desembargadora considerou que “não foi cumprida a finalidade da norma constitucional, no sentido de assegurar à trabalhadora um tempo para estar perto da filha, nos primeiros meses, propiciando-lhe integral atenção e cuidado sem se preocupar com a as atribuições do emprego”.

A magistrada ainda ressalta que a legislação trabalhista permite aos empregadores a contratação temporária de empregados para substituir funcionárias em licença-maternidade. A decisão ainda destacou que “o dano experimentado pela autora não será ressarcido, pois se mostra de ordem moral, sentimental”. Para a relatora, esse dano “é patente” ao não conseguir permanecer com sua filha em tempo integral neste período”, o que justificaria a indenização por danos morais em R$ 10 mil.

Procurado pelo Valor, o advogado da Cereais Alimentos, Eurípedes de Almeida, não quis comentar o assunto, mas adiantou que deve recorrer da decisão.

No caso da Natura, a empresa recorreu ao TST após ter sido condenada pelo Tribunal Regional do Trabalho do Pará a pagar R$ 50 mil reais por danos morais a uma trabalhadora. Contudo, a 8ª Turma do TST não conheceu o recurso por entender que o valor foi razoável pela extensão do dano.

A relatora do processo, ministra Maria Cristina Peduzzi, destaca no acórdão que, de acordo decisão do TRT, a situação causou profundo abalo psicológico à trabalhadora que precisou de tratamento médico com antidepressivos.

Na ação, a trabalhadora comprovou, por meio de e-mails e depoimentos testemunhais, que recebia cobranças da empresa e que tinha uma assistente dentro da sua residência durante o período da licença.

Procurada pelo Valor, a assessoria de imprensa da Natura informou por nota que a empresa “cumpre a legislação e incentiva todas as colaboradoras mães a usufruírem da licença-maternidade, proporcionando o benefício da extensão da licença pelo período de seis meses”. Ainda segundo a nota, “o processo citado encontra-se arquivado, e a Natura tomou todas as providências necessárias ao ter ciência do ocorrido”.

Segundo o advogado trabalhista e professor da pós-graduação da PUC-SP e FGV Rio, Túlio de Oliveira Massoni, existe uma tendência mundial do direito do trabalho em ter uma preocupação cada vez maior com a qualidade de vida do trabalhador, para que ele tenha preservado o convívio familiar, seus momentos de lazer e descanso.

Esse mesmo princípio, segundo Massoni, também tem sido aplicado pelo TST aos casos em que o funcionário trabalha durante as férias ou quando o trabalhador não tem sua hora de almoço garantida na integralidade. No primeiro caso, os ministros determinam o pagamento do período em dobro. No outro, o horário completo. “Essas decisões vêm para consolidar esse entendimento no TST, de que deve haver respeito também ao período de licença-maternidade”

Para evitar ações judiciais como essas, o advogado recomenda que as empresas se programem com antecedência para o período de licença de funcionárias. “A companhia deve pedir para ela repassar todas as pendências e contatos que serão necessários durante a sua saída.”

A advogada Mayra Palópoli, do Palópoli & Albrecht Advogados, ressalta que a licença-maternidade tem como objetivo estreitar essa relação mãe e filho durante os quatro primeiros meses do bebê. “Prejudica essa relação, mesmo que sejam poucos dias de trabalho durante esse período”, diz.

Fonte: Valor Econômico