O que não tem faltado nos últimos anos são más notícias sobre o sistema de saúde. Elas se sucedem com frequência cada vez maior e, além do setor público onde a crise é crônica, passaram a atingir também a saúde privada.

Dispor de um plano de saúde coletivo – por meio da empresa onde se trabalha ou da associação de classe a que se pertence – ou individual, pelo qual se paga muito caro, já não garante a tranquilidade que se tinha antes, principalmente no que diz respeito aos mais velhos.  O crescimento dos gastos anuais das empresas de saúde privada – que devem quase triplicar nos próximos 15 anos, segundo trabalho feito pelo Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), passando de R$ 106 bilhões para R$ 283 bilhões – deve colocá-las em sérias dificuldades, juntamente com seus 54 milhões de clientes, se medidas ousadas não começarem a ser tomadas desde já. O principal responsável por essa situação é de ordem demográfica: os brasileiros estão vivendo cada vez mais. Um avanço importante, mas que acarreta a necessidade de mais cuidados médicos.

Entre 1950 e 2010, a proporção de pessoas com mais de 65 anos pulou de 2,4% para 7,4%. Os idosos, que hoje são menos de um terço dos clientes dos planos, representarão mais da metade, 54%, em 2030. Nesse período, o número de brasileiros com mais de 80 anos vai dobrar, passando de 11% para 23% do total. Para ter uma ideia do impacto nos planos, basta dizer que um cliente entre os 30 e os 50 anos gera uma despesa anual média de R$ 2,5 mil; na faixa entre 51 e 74 anos, ela sobe para R$ 4 mil; e a partir dos 75 anos, chega a R$ 9 mil.

O estudo do IESS mostra que o envelhecimento da população já está mudando o perfil das doenças mais frequentes dos usuários dos planos, com o aumento dos casos de diabetes, artrite, problemas de coluna e doenças crônicas em geral, que exigem tratamentos mais caros.

Era de esperar que as empresas do setor tivessem se preparado para enfrentar essa situação, já que ela era previsível, mas não foi o que aconteceu. O prof. Mário Scheffer, da Faculdade de Medicina da USP e estudioso dos sistemas de saúde, resume bem o que se passou: “A maioria dos planos de saúde não só foi montada para jovens, como expulsa o idoso”. Tudo isso somado coloca o setor de saúde privada diante do desafio de adotar reformas importantes ou se tornar no futuro caro demais para a maior parte de seus atuais clientes, acessível apenas a uma minoria de alta renda.

Segundo as empresas, o governo e os especialistas na questão, as principais providências a serem adotadas para evitar a segunda possibilidade são: racionalizar a incorporação de novas tecnologias – que são muito caras e não poderão ser todas acessíveis a todos os clientes indistintamente –; investir em atenção básica e em programas de prevenção; e estimular o uso consciente dos recursos oferecidos.

Esse não será um esforço fácil de ser feito, porque exige grande investimento e a introdução de importantes mudanças nos planos. Mas ele é essencial, não só para defender os 54 milhões de brasileiros que dependem dos planos, como também para evitar que, no caso de uma grave crise no setor, muitos deles se vejam obrigados a migrar para a rede pública. Em situação precária, o Sistema Único de Saúde (SUS) não suportaria esse novo encargo.

O futuro incerto dos planos chama novamente a atenção para a aposta errada, feita em especial pelos últimos governos – incentivar a população a ingressar no setor de saúde privada, como se isso representasse ascensão social, em vez de investir pesadamente na reforma e melhoria do SUS.

A melhor prova desse abandono foi a perda de leitos hospitalares na rede pública que, de acordo com levantamento do Conselho Federal de Medicina (CFM), foi de 13 mil apenas entre janeiro de 2010 e julho 2013.

Isso significou deixar em segundo plano, irresponsavelmente, os três quartos mais pobres da população.

Fonte: O Estado de S.Paulo